Hyperborea Libertária

Como a Escravidão Radicalizou o Lysander Spooner

Escrito por Liam McCollum;

Traduzido por Pietro.

Como um libertário radical e advogado abolicionista do Norte passa de defensor apaixonado da Constituição dos Estados Unidos — argumentando que o documento proibia a escravidão desde a sua ratificação — para declarar que a Constituição dos Estados Unidos é “imprópria para existir” duas décadas depois?  

Lysander Spooner escreveu The Unconstitutionality of Slavery (Inconstitucionalidade da escravidã em tradução livre) em 1845 como uma resposta a William Lloyd Garrison, que se opunha à Constituição devido à sua aparente preservação da escravidão. Garrison era um separatista do Norte que defendia a separação do Sul após a decisão do caso Dred Scott. 

Indo pelo lado oposto, Spooner argumentava que, de acordo com uma interpretação textualista, a Constituição dos Estados Unidos proibia a escravidão. Ele afirmava que o significado original do texto do documento na época de sua criação, e não a intenção original dos fundadores na Convenção Constitucional de Filadélfia, era determinante para a lei. O argumento de Spooner convenceu o notável ex-escravo e abolicionista Frederick Douglass, que anteriormente era um separatista Garrisoniano. 

Em uma carta de 1864 para Charles Sumner, Spooner criticou o Sul por sua posição pró-escravidão, mas culpou o senador pela Guerra Civil e por impedir a "abolição pacífica da escravidão" ao continuar propagando a crença de que a Constituição era pró-escravidão, enquanto era uma das vozes mais proeminentes do Norte antiescravagista. 

No entanto, em 1867, apenas dois anos após as tropas do Norte ordenarem que o povo do Texas libertasse todos os escravos em 19 de junho de 1865, no "Juneteenth", de acordo com a Proclamação de Emancipação, Spooner escreveu “Sem Traição: A Constituição de nenhuma autoridade”1. Nesses ensaios, Lysander Spooner argumentou que a abolição da escravidão não foi o objetivo principal da Guerra Civil, mas simplesmente "uma medida de guerra" para preservar o governo nacional e escravizar toda a população por outros meios: 

“A pretensão de que a “abolição da escravatura” foi um motivo ou justificação para a guerra, é uma fraude do mesmo nível, com isso de “manter a honra nacional.” Quem, além de tais usurpadores, ladrões e assassinos como eles, jamais estabeleceram a escravidão? Ou o governo, impondo-se com a espada, como a que agora tenho, foi alguma vez capaz de manter a escravidão? E por que estes homens aboliram a escravidão? Não de qualquer amor à liberdade em geral – não como um ato de justiça para o preto, mas apenas “como uma medida de guerra”, e porque eles queriam sua assistência e a de seus amigos, em continuar a guerra eles haviam empreendido para manter e intensificar a que escravidão política, comercial e industrial, a que tenham submetidos a grande massa de pessoas, brancas e pretas. E, no entanto, esses impostores agora clamam que aboliram a escravidão do homem negro – embora isso não tenha sido o motivo da guerra – como se pensavam que poderia assim ocultam, expiar, ou justificar que outra escravidão que eles estavam lutando para perpetuar e para tornar mais rigoroso e inexorável do que alguma vez antes. Não houve diferença de princípio – mas somente de grau – entre aqueles a vangloriar-se que aboliram a escravidão e aqueles que lutavam para preservar a escravidão; para todos que limitam a liberdade natural dos homens, restrição não necessária para a simples manutenção da justiça, a questão é da natureza da escravidão e diferem entre si somente em grau.”

Notavelmente, a Proclamação de Emancipação de Abraham Lincoln, comumente entendida como tendo libertado todos os escravos durante a Guerra Civil, aplicava-se apenas à Confederação e não a Missouri, Delaware, Kentucky e Maryland. Abraham Lincoln acreditava que esses ”border states” teriam se juntado à Confederação se a proclamação se aplicasse a eles. Portanto, o "Juneteenth" não marcou o fim da escravidão nos EUA; em vez disso, sinalizou a vitória na guerra e a derrota do Sul, enquanto os estados do Norte continuaram a permitir a escravidão após o fim da Guerra Civil até 6 de dezembro de 1865, quando a 13ª Emenda foi ratificada.

Esses fatos e toda a Guerra Civil radicalizaram Spooner. Ele ainda era ferozmente anti-escravidão — uma vez havia defendido a conspiração com escravos para derrubar violentamente os proprietários das plantações e compensar os homens libertos com a propriedade de tais plantações — mas a Guerra Civil também o transformou em anarquista, concluindo que o governo federal era pior do que um ladrão de estrada, e tinha escravizado todos os seus súditos:

“Um homem não é menos escravo porque lhe é permitido escolher um novo mestre uma vez a cada alguns anos. Tampouco um povo é menos escravo porque lhes é permitido escolher um mestre de vez em quando. O que os faz escravos é o fato de que agora eles estão, e daqui em diante sempre estarão, nas mãos de homens cujo poder está acima deles e que sempre será irresponsável e absoluto.”

Spooner ficou alarmado com o crescimento do governo federal durante a Guerra Civil. Jim Powell, em The Triumph of Liberty, escreve:

"No Norte, havia alistamento militar; inflação de papel-moeda ('Greenbacks'); tarifas de até 100%; impostos de consumos, vendas, heranças e rendas; censura de correios, telégrafos e jornais; prisão de pessoas sem apresentar acusações formais. O governo de Lincoln prendeu cerca de 14.000 civis. Muitas dessas medidas foram tomadas sem a aprovação do Congresso. A maior parte dos combates ocorreu no Sul, que foi devastado. O número total de mortos ultrapassou 625.000. Após a guerra, o governo federal manteve um exército permanente 50% maior do que antes do início da guerra. Os gastos federais como proporção da economia nacional foram duas vezes maiores após a guerra do que antes. A dívida nacional, que era de cerca de 65 milhões de dólares quando a Guerra Civil começou, em grande parte uma consequência da Guerra Mexicano-Americana, disparou para 2,8 bilhões de dólares, e os juros sobre ela representaram cerca de 40% do orçamento federal durante a década de 1870."

Após observar e perceber esses abusos, Spooner sugeriu que, apesar de abolir a “chattel slavery”2, "não há um único direito natural, humano, que o governo dos Estados Unidos reconheça como inviolável; não há um único direito natural, humano, que ele hesita em pisotear, sempre que acredita que pode promover seus próprios interesses ao fazê-lo."

Ele particularmente criticava o uso do serviço militar obrigatório pelo Norte, que ele via simplesmente como uma forma diferente de escravidão:

"O governo nem mesmo reconhece o direito natural de um homem à sua própria vida. Se precisar dele, para a manutenção de seu poder, o toma, contra sua vontade (o recruta), e o coloca diante da boca do canhão, para ser despedaçado, como se fosse uma mera coisa insensível, tendo não mais direito do que se ele fosse como uma granada, uma caixa de pólvora, ou um torpedo. Ele o considera simplesmente como um material de guerra sem emoções a ser consumido, gasto e destruído para a manutenção de seu poder. Não reconhece mais seus direitos de ter algo a dizer sobre o assunto, como se ele fosse somente uma pólvora muito pesada ou uma bola de canhão. Ele não o reconhece em geral como um ser humano, tendo quaisquer direitos próprios, mas somente o vê como um instrumento, uma arma, ou uma máquina, que pode ser usada para matar outro homem.”

Seus comentários sobre o recrutamento são cada vez mais importantes, especialmente com os esforços recentes no Congresso para registrar automaticamente homens para o Serviço Seletivo e os esforços contínuos para incluir mulheres no recrutamento.

Outrora um defensor ferrenho da Constituição antes da Guerra Civil, após observar os abusos do governo federal, Spooner declarou: "Se a Constituição realmente é uma coisa, ou outra, uma coisa é certa — ela autorizou tal governo como temos hoje ou foi impotente para evitá-lo. Em qualquer caso, ela não deveria existir.”

Outros desde então argumentaram que os americanos não devem culpar a própria Constituição pela perda de liberdade e pelo crescimento contínuo do governo federal. Em vez disso, como disse Thomas Jefferson, "o preço da liberdade é a vigilância eterna." 

Mas, como um forte opositor da escravidão que viveu durante a Guerra Civil e influenciou figuras históricas como Frederick Douglass, a transformação radical de Spooner nos faz ponderar sobre a própria natureza da escravidão e se ela realmente foi erradicada nos Estados Unidos, ou se continuou a ser empregada por outros meios.

Notas Finais:

Artigo original: https://mises.org/power-market/how-slavery-radicalized-lysander-spooner

  1. Bordes states foram 5 estados onde a escravidão era permitida.

  2. Termo para escravidão na qual o escravo é propriedade pessoal de seu dono.