Hyperborea Libertária

Contra o Apartheid Anarquista

Escrito por Roderick T. Long;

Traduzido por Pietro.

Considere as seguintes listas de nomes:

Grupo 1 Grupo 2
Pierre-Joseph Proudhon Gustave de Molinari
Josiah Warren Herbert Spencer (inicialmente)
Stephen Pearl Andrews Auberon Herbert
Ezra Heywood Wordsworth Donisthorpe
Anselme Bellegarrigue Rose Wilder Lane
Lysander Spooner Robert LeFevre
Benjamin Tucker Murray Rothbard
Francis D. Tandy David Friedman
John Henry Mackay Randy Barnett
Voltairine de Cleyre (inicialmente) Samuel E. Konkin 3.0
Franz Oppenheimer Hans-Hermann Hoppe

É óbvio o que essas duas listas tem em comum: todos os nomes em ambas as listas pertencem a pensadores que apoiaram radicalmente livres mercado e a abolição do mercado - portanto, pode-se inferir, anarquistas de mercado.

Mas é comum em círculos de anarquistas de esquerda insistir que enquanto o grupo 1 são genuínos anarquistas, aqueles no Grupo 2 não são anarquistas de verdade de forma alguma – com base que verdadeiros anarquistas precisam se opor não só ao estado como também ao capitalismo. O Grupo 1, nos dizem, é louvavelmente anti-capitalista e, portanto, autênticos anarquistas; mas os membros do Grupo 2 excluem-se do título de anarquista por suas defesas do capitalismo. (Eu não tenho certeza em qual grupo georgistas libertários como Albert J. Nock e Frank Chodorov, ou pensadores que mudaram de ideologia como Karl Hess deveriam estar, então eu deixei o nome deles fora da lista.)

Eu não sou um fã, não é preciso dizer, dessa suposta distinção entre “verdadeiros” e “falsos” anarquistas de mercado. Planejo criticar o caso da distinção com mais detalhes em ocasiões futuras; por agora eu vou me limitar a dois pontos principais.

Primeiramente: aqueles que fazem essa distinção dificilmente são eles mesmos anarquistas de mercados. Ele costumam ser anarco-comunistas ou anarco-coletivistas que consideram que ambos os grupos fazem concessões inaceitáveis ao individualismo econômico. (Na verdade, eles frequentemente rejeitam seu favorito Grupo 1 – exceto Proudhon, de qualquer modo – como “Stirnernianos,” mesmo que a maioria dos pensadores do Grupo 1 produziram suas próprias visões de forma independente em relação ao pensamento de Max Stirner; na realidade mesmo Tucker, o mais claro “Stirnerniano” do grupo, já era um comprometido anarquista de mercado antes mesmo de ter encontrado as ideais de Stirner.) Quando anarquistas anti-mercados propõem decidir quem é e quem não é anarquista de mercado, parece um cristãos clamando o direito de julgar a disputa entre os xiitas e sunitas. (Suspeita-se que algumas pessoas anti-mercados gostariam de purgar ambos os grupos do anarquismo de mercado, mas as credenciais de anarquistas do Grupo 1 estão muito bem estabelecidas para que essa solução seja prática.)

Melhor do que perguntar a opinião de anarquistas anti-mercado, parece-me mais relevante saber se o Grupo 1 considera o Grupo 2 como anarquista ou não. E, de fato, os mais influentes do Grupo 2 como Molinari, Donisthorpe e o Spencer inicialmente foram todos aclamados nas páginas do Tucker na Liberty – o principal órgão americano do anarquismo individualista, que publicou a maioria dos escritos do Grupo 1) como anarquistas – e Herbert como quase-anarquista. (Donisthorpe até mesmo escreveu tanto para a Liberty quanto para o jornal da Liberty e a Liga de Defesa da Liberdade e da Propriedade – assim fazendo uma conexão entre esse abismo ideológico que parecia impossível.) Assim, o principal porta-voz do Grupo 1 da América, embora certamente sendo crítico do pensamento do Grupo 2 em vários pontos, aparentemente não tinha problema algum em reconhecer eles como anarquistas. (Compare também a atitude altamente favorável hoje do Tuckeriano Kevin Carson em relação aos Rothbardianos e Konkinianos.)

Tampouco isso foi por causa do Tucker ser especialmente generoso com o termo “anarquismo.” Pelo contrário, Tucker negou o termo de anarco-comunistas como Johann Most, Pëtr Kropotkin, e os mártires do Haymarket; do ponto de vista do Tucker, eram eles, e não os Spencerianos, os “falsos” anarquistas. Não preciso dizer que eu não defendo seguir o Tucker como exemplo neste ponto; um bairrismo não é melhor que outro. Mas o fato que o editor da Liberty – que sempre chamou sua posição de “Manchesterismo consistente” – se sentiu mais longe dos contemporâneos anarco-comunistas do que para os precursores do “anarco-capitalismo” (pois certamente as visões de Tucker sobre Molinari e os Spencerianos radicais parecem ser o melhor guia que temos para poderíamos ter sobre quais seriam suas visões sobre sobre Rothbard, Friedman, etc.) se opõe a divisão simplista dos anarquistas de mercado em ovelhas socialistas e cabras capitalistas. (Na realidade os colaboradores do Liberty citavam Spencer com a mesma frequência que citavam Proudhon; enquanto, por sinal, Karl Marx reclamava que o próprio Proudhon era mais respeitoso com liberais clássicos quase-anarquistas como Charles Dunoyer do que com comunistas revolucionários como Étienne Cabet.)

Segundamente: Não é claro por qual critério Grupo 1 e Grupo 2 são supostamente distintos. Defensores dessa dicotomia insistem que o grupo 1 é “anti-capitalista” enquanto o Grupo 2 é “pró-capitalista”; mas para que isso seja um rótulo útil, ele precisa ser significativo, não meramente terminológico. O fato que os intelectuais do Grupo 1 tendem a usar socialismo como uma palavra bonita e capitalismo como uma palavra ruim, enquanto os intelectuais do Grupo 2 tendem a usar o contrário, em si não significa nada; porque os dois grupos claramente não significam a mesma coisa usando esses termos. A maioria dos pensadores do Grupo 2 usam o termo “capitalismo” para falar de um livre mercado sem regulações, e usam o termo “socialismo” para falar de intervenção estatal; a maioria dos pensadores do Grupo 1 usam esses termos diferentemente, mas concordam com seus colegas do Grupo 1 que devemos apoiar o livre mercado e nos opormos a intervenção estatal, não importando o nome que você dê a isso. Como disse Thomas Hobbes: “Palavras são os contadores dos homens sábios; eles apenas fazem contos com elas; mas elas são o dinheiro dos tolos.”

Dado as várias possibilidades do uso do termo “capitalismo”, então, dificilmente será suficiente basear uma distinção crucial entre pensadores anti-estado nas suas atitudes em relação a uma abstração indefinida chamada “capitalismo.” Nós precisamos saber quais posições em específico devem dividir o Grupo 1 e o Grupo 2. Mas é terrivelmente difícil achar posições que dividem os dois grupos do jeito desejado.

É as posições deles sobre a teoria do valor-trabalho? Exceto na medida em que isso se traduz em diferenças políticas, que diferença isso faz?

É a posição deles sobre o sistema de salário e a exploração do trabalho pelo capital? Por esse caminho, teóricos como Spencer, Konkin1 e Friedman, que eram a favor da abolição do trabalho assalariado, pertencem todos ao Grupo 1, enquanto Molinari e Donisthorpe, que eram a favor de reformas no sistema de salários para favorecer os trabalhadores, estariam entre os dois grupos.

É a posição deles sobre a propriedade da terra e aluguel? Por esse caminho Spencer, que rejeitou a propriedade da terra inteiramente, é mais “socialista” que Tucker e também pertence ao Grupo 1, enquanto Spooner, que endossava o aluguel, é mais “capitalista” que Tucker e, portanto, pertence ao Grupo 2.

É a posição deles sobre agências de proteções e polícias privadas como semi-governamentais? Por esse caminho Tucker, Tandy, e Proudhon, que apoiaram polícias privadas, pertencem ao Grupo 2 de pseudo-anarquistas, enquanto LeFreve, que rejeitou a violência mesmo para propósitos defensivos, deveria ser movido ao Grupo 1.

É a posição deles sobre propriedade intelectual? Por esse caminho, Spooner, que era fã de PI, deveria estar no Grupo 2 de “pró-propriedade”, enquanto os Rothbardianos atuais deveriam estar no grupo 1 “anti-propriedade”.

É a posição deles sobre a legitimidade dos juros? Bem, talvez no abstrato; mas ambos os lados tendem a prever uma queda drástica no preço dos empréstimos como resultado da livre concorrência na indústria de créditos; e ambos negam que cairá para zero. Os teóricos do Grupo 1 tendem a chamar esse custo de resíduo de zero de “gasto” enquanto os do Grupo 2 tendem a chamar de “juros”; ho-hum. Isso parece um argumento fraco para carregar uma dicotomia tão pesada.

Nenhum dos critérios que muitas vezes são usados, então, parece dividir os dois grupos da maneira desejada em posições concretas. Suspeito que o que realmente move os defensores da suposta dicotomia não é nenhuma disputa política em específico, mas um sentimento em geral que a retórica pró-mercado do Grupo 2 disfarça uma racionalização das relações de poder que prevalecem no capitalismo corporativo, enquanto a retórica do Grupo 1 – por mais distorcida que seja aos olhos dos dicotomistas – não é. E essa percepção, por sua vez é baseada, eu suspeito, no fato de que os pensadores do Grupo 2 são mais propensos do que os do grupo 1 em cair naquilo que o Kevin Carson chama de “libertarianismo vulgar”, isto é, o erro de usar defesas do livre-mercado para justificar várias características da ordem não tão livre prevalecente.

É verdade que o Grupo 2 é mais responsável a essa infeliz tendência do que o Grupo 1. Porém:

a) poucos dos intelectuais do Grupo 2 cometem esse consistentemente;

b) alguns intelectuais do Grupo 2 (e.g. Konkin, ou Rothbard nos anos 60 – ou Hess, se ele for considerado dentro do Grupo 2) não parecem se comprometer muito com isso;

c) ser um libertário-vulgar não parece ser um erro pior, nem uma razão mais forte para expulsar alguém do grupo anarquista, do que, digamos, a misoginia e o antissemitismo atrozes do Proudhon; e

d) se confundir livre-mercado com capitalismo corporativo não é motivo para desqualificar anarquistas anti-mercado (que muitas vezes parecem cometer o mesmo erro ao contrário), por qual motivo devemos desqualificar libertários-vulgares?

Portanto eu não vejo nenhum motivo plausível para aceitar qualquer dicotomia entre o Grupo 1 e o 2. Todos eles são anarquistas de mercado – com várias qualidades e defeitos, mas colegas no final.

Notas Finais:

Artigo: https://aaeblog.com/2007/04/against-anarchist-apartheid/

Usarei as notas finais para esclarecer algumas coisas: sexta-feira passada eu não havia postada nada pois estava ocupado, e para compensar, hoje (sábado) postarei dois artigos. Sim, eu deveria ter postado ontem, mas me esqueci. Provavelmente eu ficarei mais um tempo sem postar nada tambeḿ pois estou trabalhando numa tradução de um artigo relativamente grande, então enquanto isso postarei só posts pequenos.

  1. Nota do Tradutor: Importante deixar claro que Konkin não era contra o trabalho assalariado em si, somente achava que ele deixaria de ser eficaz/útil no futuro.