Hyperborea Libertária

Sobre a impossibilidade do controle público  da propriedade

Escrito por LiquidZulu;

Traduzido por Pietro; Revisado por Sinhanes

Sobre a impossibilidade do controle público da propriedade1

Agora que temos uma teoria de propriedade que diz respeito tanto a autopropriedade como a propriedade externa, nós podemos direcionar algumas implicações dessa teoria, e a primeira delas é que o controle da propriedade é necessariamente individual – isto é, controle público é estritamente impossível. Considere um grupo de pessoas A, …, Z, que de forma mútua tem a posse de um graveto. O que deveria ser feito sobre um conflito a respeito de um galho entre A e B? Existem dois possibilidades, ou A é considerado o vencedor, ou B é. Se é o A, então ele tem a propriedade do palito e B não, porém se B tem a propriedade do graveto, então A não tem. Mas ambas as opções contradizem a suposição que todo membro tem a propriedade do graveto, portanto uma propriedade pública simplesmente não pode ocorrer.

Permita-me dissertar sobre algumas supostas soluções para esse enigma, e o primeiro desses é a solução democrática. Essencialmente todos os membros do conjunto votariam para determinar quem é o vencedor – porém, qualquer um que perca o voto não tem a propriedade do graveto, assim como o desejo de posse deste é considerado injusto. Também considere que o conjunto consiste unicamente de A e B, que voto poderia possivelmente ser conduzido entre esses homens que não poderia ser A em favor de A e B em favor de B? Se B votar em A ou vice versa então não teria conflito, e a lei estuda unicamente as situações onde temos um conflito ao invés de quando homens estão em harmonia concordando em como as coisas deveriam funcionar.

A próxima proposta de solução vem de Roderick Long, ele fala: 2

“Na visão libertária, nós podemos ter o direito do fruto de nosso trabalho, e também o direito sobre o que as pessoas dão livremente para nós. Propriedade pública pode ser encaixada em ambas essas coisas. Considere um camponês perto de um lago. É comum para os cidadãos ir até o riacho para pescar. Nos tempos antigos da comunidade era difícil chegar até o lago por causa de todos os arbutos e galhos caídos no caminho. Porém com o tempo, o caminho foi limpado de várias formas – Não como efeito de uma coordenação centralizada, mas simplesmente como resultado de todos os indivíduos andando por lá diariamente. O caminho limpo foi desobstruído através do produto de trabalho – não qualquer trabalho individual, mas sim o trabalhos de todos juntos. Se um habitante decidisse tirar vantagem do caminho novo colocando um portão e cobrando pedágio, ele estaria violando o direito de propriedade coletiva que os moradores juntos ganharam. Propriedade pública também pode ser resultado de um presente. No século XIX na Inglaterra, era comum estradas serem construídas de forma privada e doadas para o uso público. Isso era feito não como ato de altruísmo, mas porque os construtores que faziam as estradas se apropriavam da estrada junto com os vendedores do lado da nova rodovia e eles sabiam que ter uma estrada poderia aumentar o valor deles sobre a terra e atrair mais consumidores para suas empresas. Portanto, o público pode legitimamente caminhar-se para a apropriação da terra, tanto pela aquisição original (mistura com trabalho) quanto por transferência voluntária.”

Então Long providencia dois casos no qual ele vê propriedade pública legítima; 1) quando um grupo comunalmente “mistura seu trabalho” com um objeto na natureza, e (2) quando um homem transfere a sua propriedade privada para um grupo em comum. O problema com (1) é que Long confia na falha teoria do trabalho-propriedade. Não é misturando trabalho com uma terra que se faz com que o homem se aproprie duma terra: Como nós vimos sobre a natureza da escassez, ela aumenta o potencial para conflitos que implicam em direitos de propriedades. Para demonstrar a falha nessa teoria de forma mais elaborada, deixe me citar Kinsella para terminar: 3

“Como notado acima, alguns defensores libertários da PI, tais como Rand, mantém que a criação é a base dos direitos de propriedade. Isso confunde a natureza e os motivos para se ter direitos de propriedade, que residem no fato inegável da escassez. Dada a existência de escassez e a correspondente possibilidade de conflito quanto ao uso de recursos, conflitos são evitados e paz e cooperação são atingidas ao alocar direitos de propriedade a tais recursos. E o propósito dos direitos de propriedade dita a natureza de tais regras. Se as regras alocando direitos de propriedade devem servir como regras objetivas, com as quais todos podem concordar para evitar conflito, elas não podem ser enviesadas ou arbitrárias. Por essa razão, recursos previamente sem dono passam a ser possuídos – apropriados – pelo primeiro possuidor. A regra geral, então, é que a posse de um dado recurso escasso pode ser identificada determinando quem primeiro o ocupou. Há várias formas de possuir ou ocupar recursos, e maneiras diferentes de demonstrar ou provar tal ocupação, dependendo da natureza do recurso e do uso que é designado. Assim, eu posso colher uma maçã do inexplorado e por consequência me apropriar dela, ou cercar uma faixa de terra e criar uma fazenda. Às vezes se diz que uma forma de ocupação é “formar” ou “criar” a coisa. Por exemplo, eu posso esculpir uma estátua a partir de um bloco de mármore, ou forjar uma espada a partir de metal puro, ou mesmo “criar” uma fazenda numa faixa de terra. Podemos ver através desses exemplos que a criação é relevante para a questão da posse de um recurso escasso “criado”, tal como uma estátua, espada ou fazenda, apenas quando o ato de criação é um ato de ocupação, ou caso contrário seja uma evidencia de primeira ocupação. Contudo, “criação” em si não justifica posse sobre coisas; não é nem necessária nem suficiente. Não se pode criar um recurso possivelmente escasso sem primeiro usar as matérias primas necessárias para criar o item. Mas essas matérias primas são escassas, e ou eu as possuo ou não. Caso não as possua, então eu não possuo o produto resultante. Se eu possuo os insumos, então, graças a tal posse, eu possuo a coisa resultante que eu transformei. Considere o forjamento de uma espada. Se eu possuo algum metal puro (porque eu o extraí do chão que eu possuía), então eu possuo o próprio metal após tê-lo transformado numa espada. Eu não preciso contar com o fato da criação para possuir a espada, mas apenas com minha posse dos fatores usados para fazer a espada. E eu não preciso de criação para possuir os fatores, uma vez que eu posso os apropriar simplesmente extraindo-os do solo e consequentemente me tornando o primeiro possuidor. Por outro lado, se eu confeccionar uma espada usando seu metal, eu não possuo a espada resultante. De fato, eu posso lhe dever danos por transgressão ou conversão. A criação, então, não é nem necessária nem suficiente para estabelecer posse. O foco na criação tira atenção do papel crucial da primeira ocupação como uma regra da propriedade que foca na escassez. A primeira ocupação, e não a criação ou trabalho, é condição necessária e suficiente para a apropriação de recursos escassos previamente sem dono.”

O segundo caso do Long, onde um homem transfere o título de sua propriedade para um grupo, cai por terra já que isso não resolve a contradição, portanto fazer um contrato ali seria inválido. A teoria do contrato vai ser esclarecida numa futura lição, então eu não explicarei tão profundamente esse ponto aqui, apenas note que será visto que a teoria do contrato surge da teoria de propriedade, e portanto você não pode ter contratos que permitam reivindicações de propriedades contraditórias, e Long está essencialmente botando a carroça na frente dos burros.

Uma outra solução em potencial para direitos de propriedade em grupo é a solução poli-centrista. 4 Para o policentrista, lei em uma sociedade libertária é decidida por árbitros competindos, esses juízes poderiam resolver dispustas e então determinar um acordo sobre a propriedade. Então para nosso exemplo de A,…, Z, com todos coletivamente possuindo um galho, eles poderiam simplesmente ter que ir até um juíz para decidir quem tem uma posse justa. O problema com isso é que: 1) Isso confunde a natureza da lei – justiça não pode ser decretada por um homem, em vez disso ela depende de uma estrutura normativa de argumentação -, e 2) a contradição ainda não seria resolvida, já que se o juíz ficar a favor de A, B não teria a propriedade do graveto e vice versa.

Companhias são muitas vezes citadas como um contraexemplo a esta tese – é falado que múltiplas pessoas podem se juntar e possuir ações numa determinada empresa e então comunalmente possuir tal empresa. Esse contraexemplo é confuso sobre como uma compania funciona – os homem não vão até a natureza e acham companhias que eles então se apropriam, já que companhias são relações específicas entre homens, elas são construídas via uma teia de contratos. Assim como uma pessoa não pode se apropriar de uma amizade ou de um casamento, elas também não podem se apropriar de uma firma, pelo menos não legalmente. A propriedade em específico sendo direcionada por essa companhia deve ser possuída por um único indivíduo, provavelmente o CEO ou outra pessoa desse tipo. Isso não significa que o CEO pode fazer o que quiser com sua propriedade, pode ser o caso de que tenha um contrato em que caso ele use a propriedade para propósitos diferentes aos que os sócios votaram para determinado fim, o título de tal propriedade deva ser transferida para outra pessoa se tornar o CEO. Nenhuma dessas concepções é uma propriedade possuída coletivamente por múltiplas pessoas.

Notas Finais:

Artigo original: https://liquidzulu.github.io/homesteading-and-property-rights/#on-the-impossibility-of-group-ownership

  1. Ownership, um termo bem comum na gringa, foi traduzido como controle público ou propriedade. (N.T.)

  2. Roderick T. Long (1996), “The Ethical Argument,” em idem. "In Defense of Public Space"; Disponível em: https://www.panarchy.org/rodericklong/publicspace.html

  3. N. Stephan Kinsella, Contra a Propriedade Intelectual, pp. 30-31; Disponível em: https://rothbardbrasil.com/wp-content/uploads/2022/04/propriedade-intelectual_SF.pdf

  4. Veja meu vídeo David Friedman não é um ancap para mais sobre: https://www.youtube.com/watch?v=DRA6rLvHARE